A Flaskô é uma empresa produtora de
bombonas plásticas atuante no ramo de transformação de plástico desde a
década de 1980. Sob gestão patronal, a fábrica consolidou-se no ramo
químico, mas, nos anos 1990, devido a uma série de problemas, sua
administração entrou em processo de falência. Enquanto a gestão patronal
vendia as máquinas e não investia mais na fábrica, os operários
perceberam que algo de ruim estava por vir.
Neste momento, os trabalhadores
começaram a investigar os documentos arquivados e perceberam que uma
série de direitos não estavam sendo cumpridos por parte da gestão
patronal. FGTS, INSS e salários estavam atrasados e, por mais de 10
anos, os direitos garantidos pela CLT não estavam sendo cumpridos.
Descobriram também que o buraco era muito mais embaixo: não apenas as
dívidas trabalhistas não estavam sendo cumpridas, mas o pagamento de
terceiros também estava atrasado.
Os trabalhadores identificaram dívidas
de mais de R$ 150 milhões deixadas pela gestão patronal, dentre elas as
dívidas de energia com a CPFL de cerca de R$ 700 mil. Frente a um
cenário crítico e delicado tanto para os trabalhadores como para a
fábrica, os trabalhadores decidiram se mobilizar para ocupar o
território fabril, sob uma organização que visava à garantia social dos
direitos e a transformação da propriedade da fábrica em propriedade
social.
O momento da ocupação, que ocorreu em
2003, foi uma virada de página na história da fábrica. Os trabalhadores
decidiram pelo controle e gestão operária.
Pressão e boicote
Quase 14 anos se passaram desde então.
Atualmente, no cenário de crise econômica e recessão que assola o país, a
realidade da fábrica não é diferente das demais fábricas e indústrias
brasileiras. Um ator expressivo nesse cenário é a CPFL, concessionária
de energia elétrica na região.
As negociações com a CPFL começaram em
2008, quando foi feito um acordo de uma dívida da época patronal. Também
foi feito outro acordo em relação às dívidas da gestão operária. Entre
2008 e 2016, a Flaskô foi alvo de diversos ataques da CPFL, entre eles
ameaça de cortes de energia, tendo em vista as dívidas contraídas. Em
outubro de 2016, os trabalhadores da Flaskô fizeram uma manifestação na
sede da CPFL contra o corte no fornecimento de energia. Naquele momento,
os trabalhadores e o movimento por moradia da Vila Soma se juntaram
para protestar contra a represália gerada pela empresa. A partir desta
situação, os trabalhadores conseguiram voz para reivindicar um novo
acordo que substituiu as duas negociações anteriores e, além disso, sob
orientação da CPFL, as contas de cada mês, a partir de agosto de 2016,
ficaram em aberto e deveriam ser pagas somente após janeiro de 2017.
Assim, no dia 14 de março foi feita uma
reunião com o intuito de se discutir propostas de parcelas que fossem
exequíveis e acordadas com a CPFL, enfatizando que a Flaskô sempre
quitou os acordos assumidos. É explicado pela CPFL que apesar do débito
da Flaskô ser grande, é relativamente pequeno em relação a outras
empresas inadimplentes, como, por exemplo, a Mabe, que entrou em
processo de falência com dívida que ultrapassa R$ 3,5 milhões, e que
mesmo assim a negociação estava ocorrendo. Isso gerou uma expectativa
para os trabalhadores de que as negociações seriam retomadas. Assim, foi
marcado para o dia 21 de março uma nova reunião, mas que foi cancelada.
Na espera de uma contraproposta da CPFL, os trabalhadores aguardavam
uma nova agenda de negociação. No entanto, ocorreu o corte de energia
alguns dias depois.
Resistência
No
dia 30 de março, os trabalhadores da Flaskô foram surpreendidos com a
brutal medida da CPFL de cortar o fornecimento de energia sem
comunicação prévia e em desconformidade com o teor das negociações que
vinham sendo feitas.
Essa ação unilateral e inconsequente
poderia ter resultado em uma tragédia, pois a fábrica estava produzindo,
com operadores de máquinas realizando seu trabalho, com matéria-prima
dentro das máquinas, causando danos ainda a serem calculados.
Na tarde do mesmo dia, receberam por
e-mail uma suposta carta da CPFL apresentando que havia recusado a
proposta da Flaskô, sem apresentar alternativas e comunicando o corte já
depois de o terem realizado.
Então, em uma reunião na CPFL, num
verdadeiro clima opressor e hostil, com mais de 20 seguranças
particulares contratados para intimidar os trabalhadores, eles foram
informados de que aquela era a posição definitiva da CPFL, de que não
haveria religação da energia enquanto não houvesse o pagamento do valor
integral da dívida (cerca de R$ 1,6 milhão e não dando qualquer
alternativa para a Flaskô. Tal ato mostra a arrogância e o elitismo de
uma empresa privatizada que detém o monopólio do fornecimento e
distribuição de energia na região. Se vangloria como uma empresa de
responsabilidade social, mas agride frontalmente uma experiência
reconhecida por seu caráter social.
Os trabalhadores em assembleia decidiram se mobilizar e publicaram uma nota fazendo “um
apelo para que todos os apoiadores se insiram ainda mais nas campanhas
em defesa da Flaskô e que juntos possamos enfrentar mais este golpe
contra o conjunto da classe trabalhadora. Viva a luta dos trabalhadores
da Flaskô! CPFL, religue a luz e volte às negociações com os
trabalhadores!”.
A nota pública na íntegra, dentre outras informações sobre o controle operário e a luta de classes, pode ser acessada pelo site www.fabricasocupadas.org.br.
Alice Oliveira, Aline Romanini e Cícero Hernandez
fonte: Jornal A Verdade
fonte: Jornal A Verdade
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